O trabalho é tanto uma necessidade quanto uma construção social. Visto de forma ampla, como ocupação, ele é necessário porque faz parte da formação do sujeito, da sua identidade. Mas diante da rotina e das pressões cotidianas, enquanto umas pessoas entendem o trabalho como um fardo, um mal necessário, outras conseguem encontrar prazer e satisfação nas suas atividades profissionais, o que se reflete em saúde. O que as diferencia?

Para a psicóloga Alessandra Gomes de Paula, da Unidade de Serviço de Saúde e Segurança do Trabalho (USSS), não há um padrão, pois, cada indivíduo se adapta de um jeito a determinado ambiente ou função. “O trabalho tanto é fonte de saúde quanto pode adoecer física e mentalmente. Embora estatisticamente existam atividades que elevam as chances de adoecimento devido a estressores ocupacionais relacionados à organização do trabalho, é complexo determinar que uma função específica seja adoecedora, pois envolve tanto as suas próprias características, como a capacidade de adaptação e o perfil do trabalhador.”

Questão de alinhamento

Segundo Alessandra, a palavra-chave para uma boa relação com o trabalho é alinhamento. A função que uma pessoa exerce precisa estar alinhada com as suas necessidades, seus anseios, seus valores. Quando não há esse alinhamento, por mais que sejam oferecidas boas condições para a execução das tarefas diárias, instala-se uma influência negativa.  

 

 

Por outro lado, se a pessoa encontra um ambiente de trabalho que esteja alinhado com o que ela busca e acredita, com seu jeito de agir e de ser, ele será uma fonte de saúde e bem-estar.

Não existe um modelo ideal de trabalho que seja bom para todo mundo. Na diversidade do ser humano e nas suas particularidades, cada um vai ter um tipo de satisfação, de acordo com as suas expectativas, habilidades e interesses.

Equilíbrio é a base

Um trabalho que promova saúde e satisfação também depende de equilibrar os diversos fatores da vida. Nesse sentido, afirma a psicóloga Alessandra, há um movimento interessante ganhando força. “Estamos deixando aquele conceito da pessoa workaholic para uma concepção de equilíbrio. Tem valor hoje a pessoa que prioriza conciliar a vida pessoal e a profissional, ao invés de ser aquela sempre disponível para o trabalho.”

Também se percebe atualmente um maior poder de escolha e decisão sobre o que se deseja em relação ao trabalho. A pessoa pode abrir mão de alguns benefícios na carreira por não estar disposta a fazer determinados sacrifícios na sua vida pessoal. Isso é uma escolha saudável.

Quando não é possível alcançar o equilíbrio, há um impacto em todas as relações. Às vezes, a empresa oferece recursos e possibilidades para o empregado e ainda assim ele pode estar insatisfeito. Isso acontece por questões pessoais, familiares e de saúde que se sobrepõem ao trabalho. Além disso, nem sempre a política da empresa vai ao encontro das necessidades do trabalhador naquele momento.

Fatores que influenciam o adoecimento

Para além do equilíbrio e da necessidade de alinhamento do trabalho às expectativas do trabalhador, há situações em que o ambiente é promotor de adoecimento. Nesses casos, as lideranças, em geral, exercem um papel essencial. A psicóloga cita como exemplo a importância da segurança psicológica no trabalho. A pessoa precisa ter liberdade para se expressar, para falar o que pensa e ser ouvida, sem medo de ser tolhida ou duramente criticada.

A falta de estrutura para o trabalho também precisa ser observada, como espaço, mobiliário e equipamentos inadequados. “Esse tipo de estímulo não é promotor de satisfação profissional, mas a ausência dele pode causar desmotivação e insatisfação”, afirma Alessandra.

O estresse é outra grande fonte de adoecimento. A pressão faz parte da realidade do trabalhador, mas não deve ultrapassar seus limites. O estresse é a resposta quando as pessoas são confrontadas com exigências que não correspondem aos seus conhecimentos e capacidades e que desafiam a sua habilidade de lidar com elas. Daí surgem a ansiedade, depressão e doenças como a Síndrome de Burnout, resultante do esgotamento causado por situações de estresse crônico no trabalho.

Fatores que influenciam a saúde e bem-estar

É fato que a postura do trabalhador influencia a construção de uma boa relação com o trabalho, mas políticas adequadas de valorização profissional também impactam diretamente essa relação.   Uma estrutura saudável para trabalhar inclui muitos fatores. A psicóloga Alessandra destaca, entre eles, um ambiente tranquilo e acolhedor, benefícios, reconhecimento, possibilidade de progressão de carreira, cultura organizacional que permita equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, incentivo ao cuidado com a saúde, feedback construtivo das lideranças, flexibilidade e possibilidade de alinhamento de expectativas, relação humanizada, comunicação honesta e transparente.

 

Como contribuir para uma boa relação com o trabalho

Para a psicóloga, algumas atitudes contribuem significativamente para que a pessoa encontre no seu trabalho uma fonte de saúde e bem-estar:

Buscar o autoconhecimento -  muitas vezes, um trabalho que parece ideal pode não dar certo para determinado perfil de trabalhador. Quando não se reconhece bem, a pessoa pode desejar um tipo de função para a qual, na prática, ela não se encaixa. Por isso é importante investir em estratégias de autoconhecimento. À medida em que a pessoa se conhece mais a fundo, ela entende melhor o que precisa, o que combina com seu perfil de trabalho e vai em busca de algo que se alinhe às suas necessidades.

 Investir em recursos fora do trabalho – é possível contribuir de forma positiva para reduzir a pressão do trabalho, realizando atividades fora dele para aliviar o estresse, proporcionar momentos de prazer, deixar a pessoa mais tranquila e que vão, consequentemente, melhorar as relações. Atividade física, técnicas de meditação, yoga, contato com a natureza, encontros com familiares e amigos são exemplos de iniciativas que podem favorecer o autoconhecimento e ajudar a controlar as tensões.

Cultivar relações saudáveis - é preciso que cada um faça sua parte pela manutenção de um ambiente de trabalho mais agradável e benéfico. Respeitar o outro na sua singularidade e nas diferenças, ter comportamentos positivos, ter um compromisso consigo, com o trabalho e com os colegas para cumprir o que é proposto, ter senso de equipe, estar disposto a ajudar e ser ajudado. O que a pessoa recebe em seu dia a dia tem muito a ver com o que ela oferece.