Para Vinícius Carossi Letizio Vieira, psicólogo e psicanalista da Clínica Freud Cidadão,  via de regra,  os adolescentes em tratamento relatam que se sentem mais adaptados e confortáveis no mundo virtual. Talvez porque esse mundo ofereça possibilidades de abordar o outro que não são possíveis no mundo real.

“Me parece que é uma tentativa de se apresentar ao outro apenas com o que se quer mostrar. Através das plataformas digitais, você tem um certo controle, mesmo que limitado, da sua apresentação”, reflete Vinícius. E os adolescentes, segundo ele, conseguem entender melhor essa fragmentação da imagem. Em suma, eles nos ensinam que não podemos acreditar na imagem, que ela não nos representa completamente, mas podemos fazer uso dela. Eles utilizam nicks, apelidos que funcionam como um novo nome, um nome virtual, e skins, que são a grande onda do momento, um aparato para a imagem, uma segunda pele. E assim navegam como personagens na internet, tendo acesso e se posicionando entre os mais diversos grupos com os quais têm alguma afinidade.

Com a pandemia, aumentou a participação do adolescente nesse universo virtual, o que tem colocado em evidência situações que pedem um olhar mais atencioso. O psicólogo salienta que “a grande questão do universo virtual é que ele não existe na realidade. O mundo não é virtual e o ser humano precisa conviver com o outro.” Não necessariamente o virtual é um isolamento, mas ele surge quando a pessoa se sente cada vez menos confortável no mundo real.

Contudo, cortar o acesso ao mundo virtual não é a solução. Isso faz parte da construção da identidade dessa geração atual, pois eles nasceram nessa realidade. Para Vinícius, é fundamental que os pais dediquem um tempo para observar e entender o que os filhos andam fazendo, como é a sua relação com este universo. “Ao invés de enxergar o mundo virtual como um inimigo para o adolescente, é preciso saber identificar qual a função desse mundo na vida dele.

Vinícius explica que a função é positiva quando o virtual é um auxílio para interagir com o mundo, para se colocar melhor diante dele, para testar novas possibilidades e experiências de contato com o outro. E essa função é negativa quando esse universo é o único possível, a única opção de relacionamento com o externo. Quando o adolescente se abdica dos encontros reais com as pessoas, quando sair do universo virtual começa a ser um sofrimento , é porque algo não está bem.

Diante disso, segundo o psicólogo, uma questão importante e difícil para os pais, muitas vezes, é o entendimento de que o adolescente é parte de um todo, um grupo familiar. E seu sofrimento e comportamento podem ser sintomas das relações familiares. Assim como a febre é uma tentativa do organismo de se curar, o isolamento do adolescente em um universo virtual pode ser uma tentativa de fuga ou uma forma de lidar com as questões que ele enfrenta no mundo real. “Se ele está tentando romper com os laços que tem é porque esses laços estão mais difíceis do que ele dá conta de encarar”, salienta.

A adolescência é, fundamentalmente, uma crise de identidade. E crise, de acordo com o psicólogo, não é necessariamente ruim. É um tempo de desmoronamento das ideias construídas ao longo da vivência. Os gostos e interesses podem mudar, há uma certa estranheza com a própria identidade, um rompimento. E o indivíduo vai se reconstruindo a partir disso.

Os pais precisam enxergar que lhes cabe uma parcela de responsabilidade quanto ao comportamento dos filhos e  se perguntar qual é o envolvimento da família nesse comportamento. É importante estabelecer condições para o diálogo, pois conversando poderão perceber como podem ajudar este ser humano em formação.

Vinícius afirma que escutar o adolescente é a ação mais efetiva que pode acontecer. Mas é preciso saber escutar sem julgamentos. Os pais tendem a fingir que escutam ou menosprezar o sofrimento daquele adolescente por considerar as questões que ele apresenta imaturas ou sem importância. Mas o sentimento é real. Por isso, ouvir e levar a sério a sua palavra tem efeitos muito interessantes para o seu crescimento pessoal, aumentando a responsabilidade deste adolescente com sua própria vida.

Escutar e conversar com o adolescente é sempre o melhor caminho. Quando o diálogo com os pais não é suficiente, ele pode contar com ajuda profissional para auxiliá-lo, através de diversas ferramentas e estratégias, a vencer os efeitos maléficos dos excessos que essa relação virtual com o mundo pode causar.

 

*O psicólogo e psicanalista Vinícius Carossi Letizio Vieira é membro da equipe da Clínica Freud Cidadão, credenciada da Copass Saúde. Para saber mais sobre este tema, clique aqui e confira.