O Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio, é um alerta e uma oportunidade a mais de abordar a importância do cuidado com a saúde mental e sua relevância para a valorização da vida e da qualidade de vida. O psicólogo e psicanalista Thiago Frederik Mendes Batista, membro da equipe da clínica do Programa Integração Saúde, da Copass, em Montes Claros, fala sobre a realidade da saúde mental, o preconceito, os sinais de alarme e os caminhos para se manter mentalmente saudável.

 

 

 

 

O que significa ter saúde mental?

Para explicar a saúde mental é preciso falar do conceito de saúde. Para a Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde, esse conceito não é só a ausência de doença, mas o bem-estar físico, mental e social do indivíduo. Dessa forma, a noção de saúde mental é baseada numa perspectiva biopsicossocial. Alguns autores incluem nesse conjunto, como uma evolução do conceito, a dimensão espiritual. Não tem a ver com religião e sim com a forma com que cada pessoa se conecta com o que considera sagrado, com a sua fé.

A saúde mental, em linhas gerais, é a harmonização de todas essas dimensões. O desarranjo em qualquer uma dessas áreas produz insatisfação e afeta emocionalmente o indivíduo. A saúde mental não é somente o equilíbrio, mas também um termômetro da saúde como um todo. O adoecimento mental denuncia algo que está em desordem nas outras dimensões do ser humano. As questões de desigualdade social, por exemplo, são fonte de adoecimento mental. Daí vem a preocupação crescente de instituições públicas e privadas com as questões sociais, devido à sua relevância para a saúde mental da população.

 

Persiste na sociedade um preconceito em relação ao cuidado com a saúde mental. Como você percebe isso?

Existe o preconceito quando não há informação. O preconceito está muito ligado ao engessamento de ideias acerca do que se imagina que seja saúde mental. Ainda existe aquele estigma de que psicólogo é para “doido”, que a falta de saúde mental está associada à loucura. E não é bem assim. Mas isso tem mudado muito.

É claro que existem ainda as resistências, mas percebemos atualmente uma abertura maior tanto do público mais jovem quanto dos mais velhos, principalmente por entenderem que a psicologia atua em vários espaços. Afinal, onde há pessoas é preciso falar de saúde mental. O surgimento da crise sanitária da covid-19, por exemplo, acentuou diversas questões que tocam a esfera da saúde mental, fazendo com que o preconceito ficasse em segundo plano. As pessoas se viram em situações limítrofes, o que gerou um aumento da procura pelo atendimento psicológico. Inclusive isso levou a uma regulamentação do Conselho Federal de Psicologia para o atendimento terapêutico virtual, permitindo que o que acontecia antes de uma forma mais pontual fosse flexibilizado para atender a essa grande demanda que surgiu com a pandemia.

 

E como combater o preconceito?

Eu penso que é necessário ampliar o acesso das pessoas à informação sobre os benefícios do cuidado com a saúde mental. Isso tem que ser uma iniciativa não somente dos profissionais da área, mas também das instituições públicas e privadas, entendendo sua responsabilidade social nesse contexto e convocando a sociedade, os seus públicos, a fazer uso desse serviço e promovendo o que é realmente saúde. Muitas pessoas não sabem que podem se beneficiar do nosso trabalho, então precisamos de ajuda para mostrar a todos o quanto podemos ajudar.

 

 Thiago Frederik Mendes Batista, membro da equipe da clínica do Programa Integração Saúde, da Copass, em Montes Claros.

 

Quais são os sinais de alerta de que a saúde mental não está bem?

Alguns sinais e sintomas de uma saúde mental fragilizada estão associados tanto à dimensão relacional, como uma dificuldade de relacionamento interpessoal, quanto à dificuldade de lidar consigo próprio, com a concepção que a pessoa tem sobre ela mesma. Geralmente a pessoa não percebe esses sinais que acabam, muitas vezes, sendo denunciados pelo outro. É preciso dar atenção a isso quando o sujeito tem muitas perdas subjetivas no seu convívio social devido à dificuldade de ajustamento e adequação a esse círculo. Uma tristeza ou um choro que vêm sem explicação, uma insatisfação, um desconforto na convivência com os outros.

Também são indícios as condições clínicas onde a medicina não consegue chegar a um diagnóstico através de exames ou não encontra uma explicação orgânica, pois elas geralmente estão relacionadas a algo mais subjetivo. São as doenças psicossomáticas, ou seja, alterações emocionais que provocam sintomas físicos.  Doenças de pele como a psoríase, dores crônicas como a fibromialgia, por exemplo, têm uma raiz emocional.A pele e o trato intestinal são os órgãos que mais sofrem com manifestações psicossomáticas.  Inclusive, diz-se que o sistema digestório é o nosso segundo cérebro, devido à sua grande quantidade de neurônios. Ele costuma responder e dar sinais de algum desajuste emocional o tempo todo e a gente geralmente não presta atenção.

 

Quais são os transtornos mentais mais comuns atualmente?

Hoje, o que mais recebemos na clínica são os transtornos de ansiedade. Eu me arrisco a dizer que o alto grau de ansiedade presente na sociedade hoje se deve ao ritmo acelerado com que a vida está funcionando. Tudo hoje exige uma reação tão rápida que isso demanda uma articulação mental para que a gente se adeque. Diz-se muito atualmente que “está todo mundo cansado, angustiado” em função da necessidade de adequação a essas exigências externas. O mundo digital é um exemplo de grande exigência e cobrança tanto no campo do trabalho quanto no social. Essa relação ligada à imagem que temos nas redes sociais, por exemplo, traz uma série de exigências de adequação física e social que geram angústia. Isso tem sido muito adoecedor.

A depressão, que também é comum, é menos frequente se comparada aos transtornos de ansiedade. Entre eles estão o transtorno de ansiedade generalizada, transtorno do pânico, fobia social e transtorno obsessivo-compulsivo.

 

 

E quais transtornos mentais podem levar ao suicídio?

O suicídio está ligado a um adoecimento mental, mas não necessariamente a um transtorno. Apesar de grande parte dos casos de suicídio estarem ligados a algum transtorno mental, não é possível afirmar que estes transtornos sejam motivadores do suicídio porque ele é multifatorial e multidimensional. Ele vem a partir da experiência que cada um tem consigo próprio. Por isso é tão importante o cuidado permanente com a saúde mental.

 

Como podemos cuidar da nossa saúde mental?

Eu penso que a gente precisa falar. Aquilo que é reprimido, guardado, escondido, produz adoecimento. Por isso, é importante buscar o atendimento de um profissional capacitado para ouvir. A fala é a grande saída que nós temos para cuidar da saúde mental. É natural não saber lidar com as diversas situações da vida, mas é preciso ficar atento aos sintomas e se dar uma oportunidade para dizer o que precisa ser dito. Uma patologia a gente trata com medicamentos, mas as angústias são tratadas pela palavra.

Uma vida mais saudável também é essencial. Alimentação adequada, prática de atividade física, qualidade do sono são importantes para a saúde como um todo, inclusive a saúde mental. E o que vier para além disso, no campo das emoções, é que precisamos observar para saber buscar ajuda sempre que necessário.

A psicoterapia não será para todos, mas para quem estiver realmente aberto. E o primeiro passo para existir essa abertura é a pessoa reconhecer que precisa de ajuda. O movimento da mudança passa primeiro pelo reconhecimento da necessidade de mudar. Por isso é importante estar sempre atento aos sinais e sintomas de que algo não vai bem.