A hora de se aposentar é um momento muito importante e delicado por significar mudanças radicais no cotidiano. Essas mudanças trazem descanso, liberdade e mais tempo para investir em novos ou antigos planos, mas também podem trazer desafios para os quais nem sempre estamos preparados.

Em nossa sociedade, conduzida pela lógica capitalista, o trabalho não se constitui apenas como uma fonte de renda para o homem. É por meio desta atividade essencialmente humana que o sujeito organiza seus horários e sua rotina, estabelece planos, metas e aspirações, constrói seus laços afetivos, exerce sua criatividade, garante sua independência e expressa sua produtividade*.

Mesmo sendo a aposentadoria algo esperado, essa visão explica porque algumas pessoas adoecem, ficam deprimidas e envelhecem mais rápido quando param de trabalhar. Para o geriatra e gerontólogo Adjar Mendes, a resposta, para a maioria dos casos, está na rotina de uma vida que teve como prioridade o trabalho e somente as amizades construídas nesta atividade. Este indivíduo acaba tornando-se um idoso com limitações nas diversas dimensões do envelhecimento.

Segundo o Dr. Adjar, a idade cronológica não é o melhor marcador do envelhecimento. A velhice é multidimensional, envolvendo o aspecto cultural, espiritual, social, intelectual, funcional e o biológico. Assim, mesmo uma pessoa de pouca idade pode ser considerada idosa em alguma dessas dimensões. E, por outro lado, muitas vezes, a idade da aposentadoria não reflete improdutividade ou inoperância.

“Aposentar-se é viver daquilo que vivenciou, do que acreditou, do que conheceu, das amizades que conquistou, da fé”, afirma o geriatra. Isso não significa viver de nostalgia e, sim, de algo concreto, construído ao longo da vida. Ou seja, é a hora de dedicar mais tempo aos gostos, aos amigos, aos interesses, aos desejos.  E para tanto, o que importa é a idade funcional. Ela é determinada por duas vertentes: autonomia para ter vontade e condição de fazer o que se deseja; e independência para conseguir realizar o desejo por si mesmo. O Dr. Adjar salienta que algumas pessoas se tornam dependentes de outras sem necessidade, em pequenas coisas do dia a dia, e acabam perdendo aos poucos também a autonomia.

Por tudo isso, a aposentadoria não pode ser um tempo de parada e, sim, de movimento. É preciso continuar produtivo, rever conceitos, investir na saúde. Em termos práticos, cuidar da saúde implica, basicamente, na alimentação e atividade física adequadas para a idade, ingestão de bastante água e acompanhamento médico para a prevenção do processo de envelhecimento (Geriatria Preventiva).

A busca de atividades físicas ou de lazer no maior período livre de que o aposentado passa a dispor pode ser uma ocupação interessante do tempo e possibilitar uma melhor preparação para essa nova etapa da vida. Cabe ressaltar que seus benefícios podem minimizar as doenças relacionadas ao trabalho e também prevenir problemas de saúde e fatores de risco, como estresse e ansiedade.**

Para os que já conquistaram a aposentadoria, o conselho do geriatra é usá-la como uma oportunidade de sair do automático. O modelo de trabalho da nossa sociedade leva ao automatismo e, quando saímos desta rotina, precisamos reaprender a viver. Não é sair por aí correndo atrás do prejuízo. É fazer uma ressignificação da vida, em todos os aspectos, para estar bem, produtivo e feliz dentro das limitações que a idade biológica vai trazer ao longo do tempo.

Para quem ainda está longe de se aposentar, investir em qualidade de vida e saúde é construir uma reserva biológica que será fundamental para um futuro próspero. Afinal, vale a pena envelhecer bem.

Referências:

*Extraído do estudo "Repercussões da aposentadoria na qualidade de vida do idoso", Ambulatório do Serviço de Geriatria do Hospital Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira", São Paulo, 2007.

**Extraído do estudo ‘O que vamos fazer depois do trabalho? 3 – Saúde, envelhecimento e aposentadoria.