A fase mais importante para a prevenção de enfermidades bucais ocorre durante a infância e adolescência, quando os hábitos alimentares são construídos, há formação permanente da arcada dentária, iniciam-se os cuidados com a higiene bucal diária e o acompanhamento odontológico preventivo.

De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil 2010), feita pelo Ministério da Saúde, aos 12 anos de idade, 60,8% dos indivíduos no Brasil relataram necessidade de tratamento dentário. Os problemas bucais na população são motivados por vários fatores, principalmente aspectos sociais, econômicos e culturais. Mas a negligência quanto à saúde bucal infantil é um fator à parte, por ser a fonte desencadeadora de problemas que poderiam ser evitados.

 

 

Segundo a Dra. Paula Navarro, odontopediatra da Smile Center, credenciada da Copass Saúde, a negligência no cuidado se dá, principalmente, pela falta de conhecimento sobre a importância da dentição decídua, que são os dentes de leite. “Muitos pais acham que por ser uma dentição transitória não é preciso se preocupar e desconhecem as consequências que a falta de cuidados com a primeira dentição pode gerar, inclusive nos dentes permanentes.”

A Dra. Paula explica as principais consequências da negligência com a saúde bucal infantil:

 

Cárie

A cárie tem causa multifatorial. Para sua formação é preciso que haja a bactéria causadora no organismo, o tempo para o seu desenvolvimento e o açúcar. Crianças que entram em contato com o açúcar muito precocemente e não têm a higienização adequada têm grande risco de desenvolver o problema. 

A cárie pode ocorrer nos dentes de leite pela falta de escovação adequada e pela dieta errada, como uso da mamadeira à noite. Vale lembrar que o leite materno não dá cárie, mas as fórmulas podem gerar. “E aquela criança que tem o hábito de comer todo dia uma balinha, por exemplo, está ainda mais suscetível ao problema”, salienta a odontopediatra. 

Além de ser causa de dor, abcesso e inchaço do rosto da criança, se não tratada, a cárie no dente de leite pode afetar a dentição permanente. Ela pode se tornar uma inflamação mais profunda e prejudicar a formação do dente que está logo abaixo do decíduo.

De acordo com a SB Brasil 2010, aos 5 anos de idade, 53,4% das crianças brasileiras tiveram cárie na dentição decídua e, aos 12 anos, 56,5% apresentaram o problema na dentição permanente. A Dra. Paula ressalta que os números poderiam ser piores, pois os índices de cárie reduziram consideravelmente nas localidades que possuem abastecimento de água fluoretada, como a água da Copasa. Um estudo publicado pela Cochrane Oral Health comprova que o consumo de água fluoretada é capaz de reduzir a cárie, em média, em 35% nos dentes decíduos e em 26% nos dentes permanentes.

 

Posição errada da arcada

Por falta de orientação adequada, muitas vezes, os pais deixam prevalecer hábitos bucais como uso prolongado de chupetas, sucção de dedos, uso de mamadeiras. Isso pode gerar uma posição errada das arcadas dentárias, como dentes posicionados mais para fora ou para dentro, arcada cruzada e alterações no crescimento da face.

 

Traumatismos não tratados

Não buscar a avaliação odontológica quando há traumatismos dentários, ou seja, quando a criança bate a boca em algum lugar, afetando os dentes de leite, pode ter consequências. Isso pode levar a fraturas ou perda precoce dos dentes. E essa perda pode gerar alterações na posição dos dentes que ficaram na boca, fazendo com que os dentes permanentes nasçam fora do lugar.

 

Desmame materno precoce

Quando o bebê tem o frênulo lingual preso (aquela pelinha embaixo da língua), ele pode ter dificuldades para sugar o leite materno. Muitas vezes, a mãe, por não ter o cuidado de levar o bebê para avaliação odontopediátrica, acaba abandonando a amamentação no peito e passando para a mamadeira. O frênulo lingual preso pode ser corrigido com uma pequena cirurgia, muito pouco invasiva, realizada no próprio consultório odontológico.

 

PREVENÇÃO

Segundo a Dra. Paula, a prevenção desde cedo é a chave para uma boa saúde bucal e se baseia em três pontos fundamentais: higiene, alimentação e acompanhamento adequados.

 

Cuidados diários

Hoje, as recomendações para a higienização são diferentes de uns anos atrás. A literatura atual mostra que não se deve fazer a higiene bucal do bebê que mama exclusivamente no peito, pois o leite materno possui anticorpos que protegem a cavidade oral contra infecções. Já para bebês que são alimentados com fórmulas é indicada a limpeza com gaze e água filtrada após a alimentação.

Com o nascimento do primeiro dente, inicia-se a escovação, que deve ser feita depois de cada alimentação. Para bebês que estão iniciando a introdução de outros alimentos além do leite materno, é suficiente a escovação duas vezes ao dia. A partir do momento em que há contato entre os dentes da criança, ou seja, que eles não estejam muito separados, é necessário usar o fio dental pelo menos uma vez ao dia.

A escovação deve ser feita com pasta de dente com flúor (até 1.100 ppm). A pasta sem flúor não é mais indicada. Para evitar a fluorose (mancha nos dentes causada pelo excesso de flúor), é preciso observar a quantidade de pasta utilizada em cada escovação, de acordo com a faixa etária:

  • De zero a três anos: quantidade referente a um grão de arroz cru;
  • De três a seis anos: quantidade referente a um grão de ervilha;
  • De seis a oito anos: um pouco mais que um grão de ervilha;
  • A partir de oito anos: já se pode fazer a transição para a pasta de adulto, sem excesso.

A participação da família é fundamental. Até os oito anos, é necessário que um adulto faça a escovação para a criança pelo menos uma vez ao dia, de preferência antes de dormir, e que nas outras vezes do dia a própria criança faça a escovação supervisionada por um adulto.

 

Alimentação

O vilão da cárie é o açúcar processado. Por isso, em relação à dieta, o foco é evitar a alimentação cariogênica, aquela em que a criança consome muito doce, especialmente os mais pegajosos, que grudam nos dentes, como biscoitos recheados, balas, bolinhos com cobertura etc.

Se a criança tiver uma preferência acentuada pelo doce, o ideal é que ele seja consumido após as refeições, como sobremesa, e que seja feita a escovação logo depois. É importante evitar o consumo do açúcar a qualquer hora. O ideal é fazer combinados com a criança, por exemplo, para que o doce seja permitido somente em um dia da semana. Também é importante não deixar os doces à disposição da criança em casa.

 

Acompanhamento periódico

A odontopediatria deve acompanhar a criança desde bebê até os 12 anos, fase em que geralmente, se completa a dentição permanente.

A primeira consulta é recomendada a partir do terceiro mês de vida ou antes disso, se houver alguma queixa em relação à amamentação. É uma consulta para avaliação do frênulo lingual e orientação aos pais quanto à amamentação, dieta e higiene.

A periodicidade das visitas ao odontopediatra é, em geral, a cada seis meses. Contudo, quem determina a frequência ideal é o profissional, de acordo com o risco de cárie que a criança apresenta, o meio em que ela vive e seus hábitos alimentares e de higiene.

Com as visitas regulares, o profissional vai ganhando a confiança da criança para que ela fique mais à vontade e permita que sejam feitos todos os procedimentos necessários. A consulta é baseada na orientação dos pais em relação à higiene e dieta de acordo com a faixa etária, orientação e demonstração da forma correta de escovação, avaliação geral do risco de cárie, do desenvolvimento da arcada dentária e das necessidades de intervenção, além da limpeza e aplicação de flúor.

A adolescência é uma fase que precisa de mais atenção, ressalta a odontopediatra, visto que é uma época em que a criança tende a ficar mais relaxada com o autocuidado. Quem usa aparelhos ortodônticos precisa ser acompanhado mais de perto, pois os aparelhos dificultam a higiene bucal. Nesses casos, o atendimento precisa ser casado entre odontopediatra e ortodontista para evitar que se resolva uma demanda, mas outras, como a cárie, sejam geradas.

 

Fontes:

Ministério da Saúde – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal 2010

Fundação Abrinq – Guia para promoção da saúde bucal de crianças e adolescentes

Universidade Federal de Minas Gerais