Em 1989, 34,8% da população brasileira acima de 18 anos era fumante, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN). Com a implementação de políticas de controle do tabagismo, em 2010 esse percentual teve uma queda de 46%. A partir daí, os índices só caíram. De acordo com o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), em 2006 eram 15,7% e em 2021, o percentual baixou para 9,1%.

Na contramão desse resultado, o uso de dispositivos eletrônicos para fumar vem aumentando, especialmente entre os jovens brasileiros. Entre escolares de 13 a 17 anos, em média, 16,8% já experimentaram, chegando a 23,7% na região Centro-Oeste do país (PeNSe 2019).

O Dr. Ednei Pereira Guimarães, pneumologista do Instituto Orizonti, credenciado da Copass Saúde, fala sobre o que levou o Brasil ao êxito na diminuição do tabagismo, explica porque a preocupação com uma nova onda de adeptos e dá dicas para abandonar o vício.

 

Nos últimos anos, a queda no número de fumantes no Brasil foi significativa. Na sua opinião, como as ações adotadas contribuíram para esses resultados?

Isso foi uma ação muito bem articulada pelos órgãos competentes. O programa de redução do tabagismo no Brasil foi muito elogiado pelo mundo afora. Uma das iniciativas de sucesso é a campanha publicitária, com aquelas imagens de problemas relacionados ao fumo que aparecem nos maços. A questão dos ambientes livres de tabaco, com a eliminação dos fumódromos, foi outra medida essencial. Isso foi mudando culturalmente a atitude das pessoas. A elevada taxa de impostos sobre o cigarro também contribuiu muito. O alto preço inibe o consumo. Fumar um maço de cigarros por dia gera um impacto no orçamento familiar da maioria da população. Todas essas ações juntas, ao longo de duas décadas aproximadamente, alcançaram resultados efetivos para a sociedade.

 

Em paralelo à queda no número de fumantes, há um aumento do consumo, majoritariamente entre os jovens, do cigarro eletrônico (VAPE). A que você atribui essa retomada do tabagismo nessa nova roupagem e quais as consequências?

A meu ver, a perda de mercado com redução da incidência do tabagismo, levou a indústria, em todo o mundo, a produzir outros dispositivos com componentes viciantes como os cigarros eletrônicos. Criou-se uma ideia errônea de que esse tipo de cigarro não traz malefícios, não tem nicotina e não vicia. Dessa forma, os cigarros eletrônicos conseguem transformar essa nova geração em consumidores regulares, com a ilusão de que é algo que não faz mal, pode ser consumido em locais fechados e não incomoda quem está próximo. Além disso, existem versões com sabor, como menta e chocolate, por exemplo, para atrair o gosto dos adolescentes.

Isso tornou-se uma grande preocupação porque essas pessoas vão voltar a ser viciadas em tabaco, com uma dependência química que pode causar uma série de doenças orgânicas que já estamos presenciando. Temos registros de doenças relacionadas ao cigarro eletrônico desde 2019, primeiro nos Estados Unidos, e que já fazem parte do nosso dia a dia. No Brasil, já convivemos com a síndrome respiratória aguda causada pelo uso de cigarro eletrônico, conhecida por EVALI (sigla em inglês). 

A comercialização do cigarro eletrônico é proibida no Brasil, mas é “permitida” pela sociedade, pois é cada vez mais comum vermos as pessoas usando em locais públicos. Ele entra no país através de tráfico, é vendido de forma ilícita e mesmo assim o consumo é cada vez mais aceito. 

Nossa preocupação é que estamos vendo jovens aderindo a este novo formato de vício de forma inconsequente. Percebemos no consultório que muitos não se consideram fumantes porque só utilizam o cigarro eletrônico. Vemos algumas repercussões disso de imediato, mas a suspeita é de que a maioria das consequências sejam de longo prazo, podendo afetar essas pessoas daqui a 20 anos, por exemplo, como o cigarro comum. E tanto este prazo quanto quais as consequências, nós ainda não conhecemos.

 

Para a saúde, existe diferença entre o consumo do cigarro comum, o de palha e o eletrônico?

Para a medicina, a associação ao risco de doenças causadas pelo tabagismo está ligada à quantidade e ao tempo que a pessoa tem de consumo de nicotina, ou seja, à carga tabágica acumulada. Entre o cigarro comum e o cigarro de palha, a principal diferença está na quantidade de nicotina. Em geral, o cigarro de palha possui uma concentração bem maior dessa substância em relação ao cigarro comum. Se for feito de forma artesanal, por exemplo, cada cigarro de palha equivale a sete cigarros comuns. Os industrializados possuem uma concentração menor, mas, provavelmente, ainda superior ao comum. Muitas vezes os fumantes migram para o cigarro de palha porque acham que conseguem fumar menos, mas, na verdade, estão consumindo a mesma quantidade de nicotina ou mais. Isso porque o organismo já tem o seu nível de dependência diário.

Quanto ao cigarro eletrônico, ainda não temos essa correspondência de nicotina e não sabemos das consequências a longo prazo. Já conhecemos a EVALI, que pode ocorrer até imediatamente após o uso do cigarro eletrônico, mas o potencial para doenças como câncer e outras ainda não pode ser avaliado, pois depende de anos de consumo.

 

Quais os principais males que o tabagismo, de forma geral, pode causar?

Temos uma lista de mais de 50 doenças relacionadas ao tabagismo. No que se refere à parte pulmonar, as mais comuns são a bronquite do fumante e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), conhecida como enfisema. Quanto ao câncer, estão ligados ao tabagismo os de pulmão, língua, boca, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, bexiga, rins entre outros. Além disso, são comuns as doenças vasculares que podem causar AVC, infarto, amputações por insuficiência vascular periférica, trombose.

 

Qual a sua orientação, as dicas para quem quer parar de fumar?

O ponto muito importante para o sucesso de quem quer parar de fumar é estar vivendo um momento em que há realmente vontade e empenho em cessar o tabagismo. Não adianta buscar o tratamento porque familiares pediram ou porque o médico disse que é preciso, se a pessoa ainda gosta do cigarro. Esse tratamento certamente irá fracassar e a pessoa vai dizer que já tentou, mas não consegue parar. Na consulta médica, temos critérios para avaliar em qual fase a pessoa está e os riscos que ela tem de abstinência para indicar o tratamento mais adequado para cada caso.

Existem tratamentos de abordagem medicamentosa e psicoterapêutica, que pode ser individual ou em grupo. Esses tratamentos e programas para cessação do tabagismo estão disponíveis nos sistemas público e privado de saúde.

Mesmo sendo mais difícil, existem pessoas que conseguem parar de fumar sozinhas, mas isso depende do perfil psicológico de cada um, do tempo e da quantidade de consumo.

Enfim, a pessoa precisa tomar consciência da relação que ela tem com o cigarro para conseguir tomar a decisão de parar de fumar. E o ideal é buscar tratamento, que deve ser individualizado e orientado por profissionais qualificados.

 

Fontes:

Instituto Nacional de Câncer - Inca

Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

Agência Nacional de Vigiância Sanitária - Anvisa