Crianças e adolescentes não são o foco de maior preocupação no contexto da pandemia de covid-19, mas, o impacto desse momento para eles pode ter consequências graves. Os transtornos que surgem na infância e adolescência são altamente relevantes para a sociedade porque afetam indivíduos normalmente saudáveis em plena fase de desenvolvimento psíquico e emocional, com prejuízos na idade adulta. É o que alerta o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Guilherme V. Polanczyk.

Em artigo publicado no Jornal da USP, ele ressalta o impacto do estresse emocional para os mais jovens e o papel dos pais na condução desse processo. Segundo ele, a atual pandemia e todo o contexto que a acompanha chegam aos cérebros das crianças por meio de informações, de emoções de seus pais e outros adultos de sua convivência, pelas mudanças da rotina e do ambiente durante este período. Os pais, que são protagonistas no desenvolvimento dos seus filhos, poderão reconhecer os sinais de estresse, processá-los e retransmitir às crianças respostas que geram acolhimento, segurança e aprendizado, estabelecendo um ciclo positivo. Entretanto, os pais podem não reconhecer os sinais de estresse de seus filhos, ou podem reconhecer, mas não responder, ou ainda podem transmitir respostas que geram mais medo, insegurança e desamparo, estabelecendo um ciclo negativo, sem considerar que os mesmos podem também ser vítimas do mesmo processo. Quando o estresse resultante é processado pelos pais e retransmitido de forma que gere aprendizado, provavelmente haverá o fortalecimento emocional dessa criança, um processo chamado de resiliência. No entanto, quando os estímulos que chegam ao cérebro das crianças são devastadores, quando o cérebro da criança não os processa adequadamente, ou quando os pais amplificam o estresse, haverá o que se chama de estresse tóxico e aí problemas emocionais ou comportamentais ou mesmo transtornos mentais podem se instalar de forma imediata ou futura.

Uma forma que os pais podem adotar para atenuar as adversidades que decorrem da pandemia, segundo o professor, é ensinar aos filhos a aceitar e aprender com as adversidades. A aceitação é um processo difícil, especialmente para as crianças, mas pode ter efeitos positivos na redução de ansiedade.

Para prevenir os transtornos mentais, os pais precisam estar atentos ao comportamento dos filhos para identificar precocemente os problemas e agir sobre eles, evitando que piorem.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Federação das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 88% dos pediatras descrevem pacientes que apresentaram alterações de comportamento durante a pandemia de Covid-19. Segundo estes médicos, as queixas mais frequentes referem-se às oscilações de humor, como passar de pessoas felizes e ativas para taciturnas e retraídas, seguidas por ansiedade, irritabilidade, depressão, agitação, insônia, tristeza, agressividade, aumento de apetite, entre outros.

Outro aspecto que merece destaque é o fato de que o confinamento gerou um aumento expressivo da utilização das telas e dispositivos digitais, causando modificações nas relações familiares. O uso de tecnologias digitais, embora muito úteis, precisa ser bem orientado. Para a Sociedade Brasileira de Pediatria, o excesso de tempo em frente às telas dos equipamentos eletrônicos não só pode provocar alterações de comportamento, como também contribui para o aumento da obesidade infantil.

Soma-se a este problema a diminuição da prática de atividades físicas durante o confinamento. De acordo com a SBP, idealmente, as crianças e adolescentes deveriam acumular 60 minutos de atividade física de intensidade variável por dia. Com o isolamento domiciliar, atender a essas recomendações tem sido um desafio. 

Para aumentar o nível de atividade física, a SBP orienta os pais a investirem na prática de exercícios físicos em casa, de forma lúdica, através de brincadeiras e atividades de recreio escolar adaptadas para ambientes fechados. Assim, praticar atividade física pode se tornar um momento familiar de entretenimento e socialização, o que pode oferecer também benefícios importantes para a saúde mental.

ATIVIDADE FÍSICA EM CASA

Manter a prática de atividade física para as crianças em casa exige adaptações e criatividade. Dessa forma, a Coordenação-Geral de Promoção de Atividade Física e Ações Intersetoriais, do Ministério da Saúde, orienta que para cada faixa etária existe um tipo de prática adequada.

Menores de 2 anos: as atividades físicas podem ter qualquer intensidade e devem ser distribuídas ao longo do dia. A música é um bom incentivo para esses movimentos, assim como os momentos de brincadeira com a família. Exemplo: rastejar, engatinhar, manipular objetos e texturas, correr ou andar.

Entre 3 e 4 anos: as atividades físicas já podem ter maior intensidade e serem estimuladas por meio de histórias infantis, músicas ou brincadeiras cantadas, que incentivem as crianças a usarem a criatividade e a imaginação. Por exemplo: subir e atravessar objetos, dançar, pular corda, brincar de esconde-esconde.

Com mais de 5 anos: as atividades físicas ganham ainda mais intensidade e podem ser realizadas por meio de jogos, brincadeiras e danças. Brincar de esconde-esconde, de mímica, criar coreografias, pular corda, elástico e amarelinha. Videogames que estimulam os movimentos corporais também são bem-vindos.

 

Fontes:

Sociedade Brasileira de Pediatria

Jornal da USP – Universidade de São Paulo

Saúde Brasil - Ministério da Saúde