Dados de uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mostram que o Brasil está, atualmente, entre os dez países com menor cobertura vacinal do mundo. A taxa de crianças menores de cinco anos vacinadas no Brasil caiu de 93,1%, em 2015, para 71,49% em 2021. Durante a pandemia de covid-19, essa redução foi acentuada.

Os benefícios da vacinação são incontestáveis. De acordo com o Ministério da Saúde, na década de 1980, doenças como sarampo, poliomielite, rubéola, síndrome da rubéola congênita, meningite, tétano, coqueluche e difteria causaram 5,5 mil óbitos em crianças de até cinco anos no Brasil. Com o sucesso da vacinação em larga escala, em 2009 foram apenas 50 óbitos. O risco iminente de retorno dessas doenças acende o alerta para a necessidade de ampliar a divulgação de informações confiáveis sobre a vacinação e os prejuízos causados pelas doenças. Confira, na entrevista abaixo, o que diz a Dra. Thais Stephanie Santos Pinto, médica da clínica do Programa Integração Saúde, em Contagem.

 

Copass Saúde: Na sua opinião, a que se deve a queda da imunização no país?

Dra. Thais: Eu acredito que são dois fatores principais. O primeiro é a falta de conscientização quanto à importância da vacinação. O Programa Nacional de Imunização, que está completando 50 anos, atingiu um alto patamar na década de 1990, quando muitas pessoas foram vacinadas com esquemas completos e foram acrescentados imunizantes contra várias doenças. Assim, a geração nascida a partir dessa época não viu essas doenças acontecerem e sua gravidade. São pessoas que não conheceram sarampo, rubéola, não viram crianças morrerem por diarreia e, portanto, não se sentiram em risco ou não tiveram medo das doenças como tiveram as gerações anteriores.

Outro fator relevante é que essa situação, que já vinha decaindo, se agravou muito com a pandemia de covid-19. Por conta do isolamento, as questões de saúde em geral ficaram renegadas e a vacinação não fugiu dessa realidade. Além disso, as pessoas tiveram como prioridade a imunização contra a covid.

 

Copass Saúde: Como uma doença que já estava erradicada no país pode retornar?

Dra. Thais: Isso aconteceu com o sarampo, com o surto ocorrido em 2018, e pode acontecer com qualquer doença viral. Conseguimos erradicar o sarampo porque não tínhamos mais transmissão da doença ocorrendo no país, devido à alta porcentagem da população vacinada. E, nessa condição, o vírus do sarampo que porventura circulasse não teria hospedeiros para propagar a infecção e causar um surto. Com a redução da procura pela imunização, a cobertura vacinal deixou de ser suficiente para proteger a população do vírus trazido por viajantes de outros países, o que nos levou a um marco triste para a nossa história, que foi perder o status de doença erradicada. Como não tínhamos mais a imunidade bem estabelecida contra o sarampo, a doença acabou ocorrendo de forma mais grave, com variantes que levaram a óbitos e internações.

A falta de uma grande cobertura vacinal prejudica todo mundo, tanto os não vacinados quanto os que já estavam vacinados, devido à alta circulação do vírus, que acaba gerando novas variantes da doença. Quando o nosso sistema imune está fortalecido contra a doença, ela tem menos oportunidade de gerar mutações, mas quando estamos desprotegidos, o vírus ganha mais força.

 

Copass Saúde: Quais doenças correm mais riscos de retornar?

Dra. Thais: É importante chamar a atenção para uma doença gravíssima, que conseguimos manter controlada por muito tempo no Brasil: a poliomielite ou paralisia infantil, que pode levar a óbito por parada respiratória ou deixas sequelas motoras graves. Mesmo a pessoa adulta que teve contato com o vírus na infância, pode desenvolver sequelas muitos anos depois. A poliomielite já retornou em alguns países e, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), está em risco iminente de retornar no Brasil porque, atualmente, a cobertura vacinal da população não está adequada. A vacina e suas doses de reforço são disponibilizadas gratuitamente, o ano inteiro, nos postos de saúde. Mesmo assim, temos hoje uma cobertura vacinal em torno de 60% para as crianças até um ano de idade e de 45% para as crianças até quatro anos, quando se completa o esquema vacinal. Seria ideal uma cobertura em torno de 90 a 95% das crianças para que a doença não retorne.

Além da poliomielite e do sarampo, a varíola estava erradicada e pode retornar.  Temos também maior risco para doenças que não são consideradas erradicadas, mas estão controladas no país, como o tétano, que é gravíssimo e não tem tratamento. A cobertura vacinal do tétano para as gestantes é até boa, mas está caindo para a população geral. As várias meningites também preocupam. Estamos tendo surto de meningite C, que é uma doença que tem vacina e pode causar óbito e sequelas neurológicas graves. Algumas pneumonias, rubéola, difteria, coqueluche também são doenças que podem voltar a ter surtos se não houver boa cobertura vacinal. É preciso lembrar ainda da queda na vacinação contra o rotavírus, especialmente para as crianças menores. A vacina protege contra a morte por diarreia, principal causa de mortalidade infantil no país há alguns anos, e que foi reduzida com a vacina, principalmente na população com menos acesso ao saneamento básico.

 

 

 Copass Saúde: Com o retorno dessas doenças, quem está mais vulnerável?

Dra. Thais: Todos correm riscos, mas as crianças com menos de cinco anos de idade e principalmente aquelas que estão no primeiro ano de vida são mais vulneráveis às doenças transmissíveis porque ainda estão fortalecendo seu sistema imunológico. Também correm mais riscos os idosos acima de 75 anos, que em geral têm queda na imunidade, pessoas imunossuprimidas e gestantes. 

 

Copass Saúde: Quais as principais consequências do retorno dessas doenças?

Dra. Thais: A consequência mais grave é o óbito. Perder uma criança ou qualquer pessoa para uma doença evitável é uma tragédia. E, principalmente, quando se trata de criança, essa perda afeta toda a família de uma forma irremediável.

Somando-se à gravidade das doenças e suas sequelas, quando uma questão de saúde atinge grande parcela da população, ela traz consequências econômicas para vários setores.  O setor público, em primeiro lugar, porque vai aumentar o número de internações, de necessidade de leitos em terapia intensiva, de respiradores, de uso de medicação. Além disso, a pessoa doente vai precisar se afastar do trabalho ou os pais de uma criança doente terão que se ausentar para cuidar dela, e as pessoas que trabalham por conta própria ficarão sem renda enquanto se recuperam.

 

Copass Saúde: Existem efeitos colaterais das vacinas que justifiquem a escolha por não vacinar?

Dra. Thais: Não. Já é um fato científico reconhecido que o valor das vacinas é inquestionável. A vacina é algo maravilhoso. Ela proporciona a prevenção e a promoção da saúde tanto para quem é vacinado quanto para toda a coletividade. Ela protege cada um e quando se atinge um patamar mais alto de pessoas imunizadas, ela protege inclusive aquelas pessoas que por alguma razão têm uma contraindicação e não podem tomar a vacina. Isso porque quando a maioria está vacinada, diminui a circulação e o risco de transmissão da doença.

Os profissionais que aplicam as vacinas estão preparados para identificar as condições de cada indivíduo para receber doses. É preciso avaliar individualmente cada caso, mas em geral as vacinas estão disponíveis para a maioria da população, sem riscos para a saúde. Como qualquer medicação, eventos adversos podem ocorrer, mas é muito raro acontecer algo grave. No dia a dia, as pessoas costumam fazer coisas muito mais perigosas para o organismo, sem preocupar com os riscos, como, por exemplo, tomar medicamentos de forma inadequada, sem orientação médica.

As vacinas são seguras, estudadas e não há razão para medo ou resistência. Muito disso se deve à disseminação de fake news e à falta de informação de qualidade e de referência.

 

Copass Saúde: Qualquer pessoa pode colocar seu calendário vacinal em dia? Como?

Dra. Thais: Para algumas vacinas, sim. Tem que avaliar cada situação. É importante levar o cartão de vacinação a qualquer posto de saúde, pois os profissionais que atuam nos postos estão preparados para avaliar o cartão e orientar a pessoa sobre quais vacinas estão em atraso e como podem ser atualizadas. Também é fundamental acompanhar as campanhas de vacinação, que são importantíssimas para o controle de surtos. Quem quiser saber mais e ter informações confiáveis, pode acessar o site da Sociedade Brasileira de Imunizações (sbim.org.br), que tem diversas informações para o público leigo, como calendário vacinal de acordo com a faixa etária, orientações quanto a fake news, entre diversas outras.

 

Fontes:

Fiocruz

Biblioteca Virtual em Saúde – Ministério da Saúde

Sociedade Brasileira de Imunizações