No Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas. Conforme boletim da Rede de Observatórios da Segurança, que monitora oito estados brasileiros, em 2022 foram registrados 2.423 casos de violência contra a mulher, sendo 495 feminicídios. Em Minas Gerais, uma mulher morre a cada dois dias vítima de violência doméstica, segundo dados de 2022 da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e da Polícia Civil.

 

LEI MARIA DA PENHA

Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha criou mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com o seu artigo 5º, essa violência é representada por “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”

 De acordo com Juliana Lemes da Cruz, pesquisadora das relações de gênero e violência, policial militar, doutora em Política Social e membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é importante saber que, para a Lei Maria da Penha, a vítima é sempre alguém do gênero feminino, o que é diferente de sexo. Isso diz respeito a todas as pessoas que se consideram mulher, incluindo as transexuais. Vale ressaltar que a violência não pode ser um evento isolado, como uma discussão, uma briga, mas situações que tragam sofrimento recorrente para a mulher. Juliana explica que a violência doméstica pode ocorrer em três circunstâncias:

  • Na unidade doméstica, entre pessoas que vivem debaixo do mesmo teto, mesmo que não sejam da mesma família.
  • Na unidade familiar, entre pessoas que são parentes ou que se consideram aparentadas, como sogros(as), nora, genro e outros, mesmo quando não moram sob o mesmo teto.
  • Entre pessoas que tenham ou que tenham tido uma relação íntima de afeto, como companheiros(as), namorados(as).

 

CICLO DA VIOLÊNCIA

 Apesar de a violência doméstica ter várias faces, geralmente, as agressões ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido, com intervalos cada vez menores e situações mais violentas. É dividido em três fases:

. Fase da tensão - quando começam os insultos, ameaças e outras formas de controle.

. Fase da agressão - quando o(a) agressor(a) perde o controle, explode violentamente e ocorrem as violências mais graves.

. Fase da lua de mel -  quando o(a) agressor(a) pede perdão e mostra arrependimento, promete mudar seu comportamento e passa a agir de forma gentil, por um tempo, até retornar à fase da tensão.

 

POR QUE TANTAS MULHERES PERMANECEM NA VIOLÊNCIA?

Segundo Patrícia Oliveira, psicóloga da clínica do Programa Integração Saúde, em Contagem, o que mantém a mulher refém de um relacionamento abusivo é a insegurança, o medo, a vergonha, a dependência emocional, a dependência financeira e a falta de uma rede de apoio.

Ninguém sabe quais são os medos e as ameaças que a vítima passa que a impedem de sair daquela situação, explica Patrícia. “Muitas mulheres se mantêm por medo de serem mortas, de que aconteça algo contra sua família, seus filhos. O medo chega a um ponto tão extremo que paralisa.”

Se por um lado, uma das estratégias do(a) abusador(a) é afastar a mulher das pessoas que podem protegê-la, para torná-la mais vulnerável e dependente, por outro, muitas vezes, essa mulher é negligenciada pela sociedade, por preconceitos e discursos que acabam a responsabilizando pela violência que ela sofre.

Além disso, ao longo dos tempos, a mulher foi colocada em um lugar subalterno, tanto no núcleo familiar quanto nas relações sociais e de trabalho. Por isso, ela vai naturalizando as situações de violência sem se dar conta de que aquilo é agressão. E muitas vezes ela ainda se sente culpada pelo que está acontecendo. Falta a essa mulher orientação e apoio profissional para entender que o que ela sofre é uma violência e não é sua responsabilidade, para se fortalecer e encontrar recursos para gerenciar essas emoções e até para buscar estratégias de proteção.

 

COMO AJUDAR

É muito importante que as pessoas ao redor interfiram, ofereçam ajuda, denunciem, porque isso pode salvar vidas. Mas não é o suficiente, ressalta a psicóloga. Geralmente, quando a mulher sai de um relacionamento abusivo, ela continua sendo ameaçada. Na grande maioria dos casos de feminicídio, a mulher já tinha uma medida protetiva.

 Aí entra a importância da sociedade, como um todo, estar atenta para oferecer a essa mulher uma rede de proteção e apoio. Todos nós precisamos aprender a acolher a vítima para entender suas demandas, encontrar estratégias para apoiá-la e agir, se for preciso. Tendo essa rede de suporte, essa mulher terá mais condições de tomar a decisão de se afastar, afirma Patrícia.

 

COMO DENUNCIAR E BUSCAR AJUDA

O Ligue 180 é uma central nacional de atendimento, que orienta e encaminha denúncias de violência contra as mulheres. Funciona, gratuitamente, por telefone e WhatsApp, 24 horas, todos os dias da semana, de qualquer lugar do país. Para adicionar o Ligue 180 no WhatsApp, basta enviar uma mensagem para o número (61) 9610-0180. As denúncias podem ser feitas de forma anônima.

Em Minas, através do site da Delegacia Virtual ( delegaciavirtual.sids.mg.gov.br ), é possível registrar boletins de ocorrência, denunciar casos de violência psicológica, física ou qualquer outro tipo de violação de direitos. As denúncias também podem ser feitas pelo telefone 181, da Sejusp, ou pelo 190, da Polícia Militar. A PMMG também conta com o serviço Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD), que oferece proteção à vítima.

 

COMO EVITAR

A pesquisadora Juliana Lemes aponta formas para a mulher evitar a violência doméstica:

. Fortalecer a autoestima para reconhecer o seu valor. Uma mulher autoconfiante tem menos riscos de sofrer violência.

. Fomentar sua autonomia econômica para não depender financeiramente de outra pessoa e ter o poder de decidir sobre o que fazer com seu próprio dinheiro.

. Conhecer seus direitos e a rede de apoio e enfrentamento à violência contra a mulher na sua região.

. Ficar atenta aos sinais no início dos relacionamentos. Sentimentos de posse do(a) outro(a) sobre ela, tentativas de controlar os seus passos, seus desejos, ciúme exagerado, histórico de violência em relações anteriores são indícios de que é preciso barrar e evitar que aquela situação se agrave.

 

TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

FÍSICA

Qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.

Espancamento; atirar objetos, sacudir e apertar os braços; estrangulamento ou sufocamento; lesões com objetos cortantes ou perfurantes; ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo; tortura.

 

PSICOLÓGICA

Qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher, ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.

Ameaças; constrangimento; humilhação; manipulação; isolamento (proibir de estudar e viajar ou de falar com amigos e parentes); vigilância constante; perseguição contumaz; insultos; chantagem; exploração; limitação do direito de ir e vir; ridicularização; tirar a liberdade de crença; distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre a sua memória e sanidade (gaslighting).

 

SEXUAL

Qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.

Estupro; obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa; impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar; forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação; limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.

 

PATRIMONIAL

Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

 

Controlar o dinheiro; deixar de pagar pensão alimentícia; destruição de documentos pessoais; furto, extorsão ou dano; estelionato; privar de bens, valores ou recursos econômicos; causar danos propositais a objetos da mulher ou dos quais ela goste.

 

 

MORAL

Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Acusar a mulher de traição; emitir juízos morais sobre a conduta; fazer críticas mentirosas; expor a vida íntima; rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole; desvalorizar a vítima pelo seu modo de se vestir.