De acordo com as psicólogas e psicanalistas Adriana Renna de Vitta e Leticia Soares de Sousa, diretoras da clínica Freud Cidadão – Centro de Atenção Psíquica*, uma pandemia como essa que enfrentamos traz consequências e efeitos na vida de todos, porém diferencia-se em sua intensidade para cada um. Os efeitos negativos, conseguimos acompanhar de perto com o real da morte que se apresenta, as tristes perdas de vidas, assim como os graves prejuízos econômicos e sociais. No entanto, podemos perceber a imensa capacidade do ser humano de se reinventar e encontrar soluções que possibilitem lidar com a crise, o novo. A perda de referências do funcionamento padrão, “normal”, dá abertura para pensarmos na nossa relação com o tempo, espaço, hábitos e criar novas possibilidades de vida mais justas às nossas próprias necessidades e desejos, antes obscurecidas pelo automatismo do cotidiano. Além disso, as condições de reclusão nos possibilitam voltar a modos de comportamentos mais básicos e revalorizar aspectos da vida que haviam perdido seu sentido, num mundo acelerado e exigente em que vivíamos.       

Sobre o risco de que o isolamento social seja motivo de adoecimento mental e físico, as psicólogas afirmam que o medo e a insegurança causados por este momento alertam para o risco de eclodir uma crise paralela à crise sanitária: a crise da saúde mental. O stress prolongado proveniente de todas essas incertezas e mudanças repentinas na vida das pessoas, tem gerado doenças psicológicas com um alto grau de gravidade, chegando ao aumento de tentativas de suicídio, crises de ansiedade e angústia em pessoas antes adaptadas e aparentemente tranquilas em seu cotidiano. Elas salientam que os profissionais da saúde mental entendem que não há uma fórmula única, tal qual uma receita de bolo, que funcione para todos no sentido de evitar o adoecimento, mas existem caminhos. “Sabemos que manter a vida em curso, conectados com os objetivos e projetos individuais, é uma estratégia importante que faz com que nos liguemos à vida e não à morte. Acompanhar as notícias sobre a pandemia é importante para nos protegermos, mas devemos entender que nossa maior proteção contra o adoecimento é lembrar que estamos vivos e que temos projetos e interesses que nos ligam aos outros e à nossa vida. Por isso, manter uma rotina é importante, pois ela nos lembra que um dia nasce depois do outro, que as fases ruins passam, e passam mais levemente se estamos ocupados conosco e com o que amamos.”

Para as psicólogas, um aspecto visível no comportamento das pessoas em isolamento social é a ansiedade causada pela falta de contato próximo com familiares e amigos íntimos, que são fonte de alívio do mal-estar e das angústias que vivemos durante a vida. “O toque da pele, o abraço, o cheiro de quem amamos são experiências sensoriais muito primitivas no início da vida de cada um de nós e nos marca de tal forma que conviver é, para nós, viver com.”  O lado positivo disso, segundo elas, é que a experiência de isolamento atual talvez esteja enfatizando essa necessidade, e nos esclarecendo que precisamos e podemos recorrer aos outros quando nos sentimos frágeis. “Somos seres sociais, mas (con)viver exige muito de nós mesmos e dos outros. Entender quais são as exigências que fazemos aos outros e a nós mesmos e que nos atrapalham nas nossas relações, seria um bom começo para uma vida mais feliz. E para isso não é necessário esperar a pandemia passar”, ressaltam.

Adriana e Letícia ponderam que, apesar de a história mostrar que a humanidade não aprendeu com as catástrofes já sofridas, algum legado positivo da pandemia atual poderá ser vislumbrado se pudermos desenvolver teorias de cuidado com as pessoas para evitar mais sofrimento. “Muito se tem dito sobre a cooperação entre os países no sentido do trabalho conjunto e articulado para criação de estratégias de cuidado à saúde física e mental das pessoas, com investimentos em pesquisas que controlem e evitem novas epidemias e pandemias, por exemplo. Investir financeiramente nas universidades, nos cientistas e pesquisadores, na melhoria das condições de vida dos países mais pobres, na diminuição da pobreza e da fome no mundo podem ser saídas importantes para nossa humanidade. Talvez estes temas ganhem mais visibilidade e força política após este difícil período e nos permitam avançar no cuidado com todos os seres humanos.”

*A clínica Freud Cidadão, credenciada da Copass Saúde, é um Centro de atenção Psíquica estruturado para acolher, tratar e orientar adolescentes e adultos em sofrimento mental agudo ou crônico. Mais informações: freudcidadao.com.br